Já noutras ocasiões aqui citei Marx. Para ele - de uma forma simplista - só na cidade os homens eram suficientemente livres (não sujeitos a feudos) para poderem vender a sua força de trabalho à burguesia, igualmente livre e que por isso seria livre para comprar essa força de trabalho.
Nem sei se devo concordar! Ou aliás deixar de concordar, porque, no fundo a actualidade destas palavras é notória.
No entanto, muitos "mas" me têm ocupado a cabeça nos últimos tempos.
A cidade é um poço de liberdade. mas com ela tornou-se um fosso de escravidão.
É na cidade que o homem vende a sua força de trabalho.
É na cidade que o homem é escravizado pelo homem.
É na cidade que o homem é ostracizado pelo homem.
É na cidade que o homem é abandonado pelo homem.
É na cidade que o homem é esmagado pelo homem.
É na cidade livre que o homem acorda quando o sol ainda nem tem raíado.
É na cidade livre que vemos diariamente o homem abandonado ao deus dará à porta de Santa Apolónia.
É na cidade livre que vemos o homem abandonado no jardim da estrela a contar as horas de solidão.
É na cidade livre que os pequenos homens são largados ainda de madrugada.
É na cidade livre que o homem regressa depois do sol posto.
É esta a cidade livre imaginada por Marx?
É esta a cidade livre que construí ao lê-lo?
Só sei que não é esta a cidade livre com a qual me cruzo todos os dias. Só sei que é nela que vejo milhares de formiguinhas trabalhadoras venderem a sua força de trabalho a troco de uns poucos tostões que mal vão chegando para matar a fome à prole. Só sei que é nessa mesma cidade livre que vejo os donos dessas formiguinhas cantarem como cigarras montados nas suas costas.
Onde está a liberdade das nossas cidades? Quanto mais confronto os dois conceitos - "cidade" e "liberdade" - menos os acho compatíveis.
A cidade faz os homens livres até ao momento em que eles não pensam nela. Quando o começam a fazer deixam de crer nesse chavão.