«Um dia destes, distraído no zapping, vi José Rodrigues dos Santos anunciar, pesaroso, que "o interior de Portugal está despovoado é envelhecido" (...) Escuso descrever a peça da RTP, aliás similar a 300 anteriores. Limito-me a reproduzir a questão que permitiu à repórter encostar a tal menina à parede: "O que é que tu sabes sobre a cidade?" Ao contrário dos petizes criados em Rio Tinto ou de Odivelas, capazes de longas palestras sobre o advento da pólis grega, a pobrezita não sabia grande coisa. Como se comprovou num momento maior do jornalismo pátrio a pobrezita nem sequer tinha o magalhães! A peça fechou com a garota em contraluz, a correr numa colina a gritar "Liberdade!". Quase chorei, não graças à beleza da cena, mas graças aos meus impostos que a pagaram.
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Contas feitas [nos retratos da vida campestre] trata-se sempre de um olhar pasmado, aparentemente seduzido pelo exotismo que descobre a 150Km do litoral urbano e no fundo agradecido pelas maravilhas que as cidades proporcionam.
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O que vale notar é o facto de as televisões tentarem denunciar a desertificação do interior, de resto autêntica, e acabarem inadvertidamente a servi-la, quando exibem os seus residuais moradores enquanto fantasmas amáveis e excêntricos de um mundo morto. Em teoria, dado que esses particulares fantasmas possuem televisor, a repetida notícia do óbito poderia levá-los a trocar tudo pelas delícias da civilização, naturalmente consubstanciada no Magalhães. Na prática, nada indica que isso aconteça: ainda que suscitem menos respeito que os répteis das Galápagos, os rústicos isolados revelam um discernimento superior. No mínimo, têm cabeça suficiente para distinguir a desertificação do interior do deserto no interior de algumas cabeças, toldadas pelos sofisticadíssimos vapores de Odivelas e de Rio Tinto»
Mais um excelente artigo de opinião do sociólogo Alberto Gonçalves publicado pela revista Sábado nº254