«O Velho acaricou-a, ignorando a dor do pé ferido e chorou de vergonha, sentindo-se indigno, envilecido, de modo algum vencedor daquela batalha
Com os olhos nublados de lágrimas e de chuva, empurrou o corpo do animal para a beira do rio, e as águas levaram-no pela floresta adentro, até aos territórios jamis profanados pelo homem branco, em direcção ao Amazonas, aos rápidos onde seria desfeito por punhais de pedra, para sempre a salvo das indignas alimárias.
Seguidamente, arremeçou a espingarda com fúria e viu-a mergulhar sem glória. Besta de metal indesejada por todas as criaturas.
Antonio Jose Bolivar Proano tirou a dentadura postiça, guardou-a embrulhada no lenço e, sem parar de amaldiçoar o gringo que estivera na origem da tragédia, o administrador, os garimpeiros, todos os que insultavam a virgindade da sua Amazónia, cortou com um golpe da machete um grosso ramo e, apoiando-se nele, pôs-se a andar em direcção a El Ilidio, da sua choça e dos seus romances, que falavam do amor com palavras tão bonitas que às vezes lhe faziam esquecer a barbarie humana.»
Excerto final de O velho que lia romances de amor, Luís Sepúlveda
Final de dia muito bem passado na companhia das velhas amigas letrinhas ordenadas em palavras que juntas fazem todo o sentido em frases de leitura mais ou menos fácil ou difícil. Não interessa! O importante é tê-las por companhia. Mais uma vez apaixonei-me por cada uma das palavras de Luís Sepúlveda neste livro que nos faz afastar da barbarie humana e nos leva a descansar no amor à floresta, à vida e à simplicidade desse amor.