«Tudo começou por uma noite amorosa. Uma mulher conheceu um homem e nessa noite homem e mulher dormiram juntos.
Os dois falaram como dois seres humanos falam entre si. Ela relatou com entusiasmo o que fazia num laboratório científico, ele, por seu turno, contou que estava desempregado.
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Na manhã seguinte, quando ela regressou ao local de trabalho, tinha uma carta na secretária do seu laboratório: estava despedida.
Foi, então, essa mulher que, digamos assim, mesmo sem disso ter consciência, começou com a nova peste.
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Em pouco tempo espalhou-se uma crença firme: quem dormisse com um desempregado corria o risco de perder o emprego. Não havia uma explicação lógica para isto, mas o certo é que se começou a recear os parceiros sexuais desempregados tal como antes se receava os parceiros sexuais com doenças venéreas.
Antes de qualquer relaçõa sexual tornou-se hábito perguntar: tens emprego? Muitas pessoas passaram mesmo a exigir um comprovativo do pagamento do último mês passado pela entidade patronal.
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Por decisão política, e para que a peste não alastrasse mais, os desempregados foram obrigados a circular na rua e em todos os espaços públicos com um enorme D na parte da frente da roupa.
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Havia milhões de desempregados (...) uma nova medida obrigou os desempregados a ficarem em casa, impedindo-os de sair para o espaço público e, meses mais tarde, uma nova e brutal medida: os desempregados deveriam sair do país.
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O problema é que todas as fronteiras estavam fechadas. Em todos os países a peste fizera o seu caminho e por todo o lado as medidas haviam sido idênticas. Como ninguém abria as fronteiras, a opção foi colocar os desempregados em enormes barcos e enviá-los para o centro do mar.
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Nos meses seguintes não foi registado nenhum novo desempregado, o que mostrou o acerto das decisões.
Chegou, então,mais tarde, a hora de se anunciar que a nova peste estava definitivamente irradicada. As ruas estavam agora desertas, os espaços públicos vazios, os autocarros com um ou dois passageiros circulavam à vontade no meio do tráfego inexistente. As ruas - onde antes mal se podia caminhar - eram agora espaço onde os pássaros faziam ninhos e outros animais lutavam entre si.
De qualquer maneira, visto do alto de um satélite, o país e os diversos continentes, mesmo que vazios, ainda eram belos. E que pode importar mais a um planeta do que amnter a beleza, quando visto de cima.»
Do melhor que tenho lido sobre a peste que assola a sociedade actual, mas no fundo o interesse geral continua nas estrelas, ou melhor nos satélites! Se eles continuarem a retratar com relativa beleza o nosso mundinho, não há problema! O desemprego é, afinal, tratado como uma pequena nuance!
Este artigo é da edição nº834 da Visão. Com muita pena não está na visão online, por isso se o quiserem ler na íntegra vão ter de procurar numa biblioteca ou espaço público perto de si!