A minha carta de alforria pesa 10g, mas o meu corpo pesa bem mais de uma tonelada! Na minha mente a liberdade aguarda-me, no meu corpo tenho cravados os sinais da escravatura. Aos meus senhores devo o que sou. Não! Devo o que me transformei - um cubo de gelo.
Para eles trabalhei noite e dia. De dia na realidade, de noite em sonhos alvoraçados que mais pareciam prognósticos do que seria o dia seguinte.
Havia! Há sempre o dia seguinte e o dia depois de amanhã, todos eles iguais em intensidade, iguais em crueldade, iguais em brutalidade. A cada nova manhã as mesmas caras - as dos meus senhores - que me olham com os grandes olhões da exploração, do desdém e da desvalorização com que sempre me olharam desde o dia em que me escravizaram.
No início, como em todos os inícios, a escravatura era boa, depois passou a ser suportável até que chegou ao dia em que insustentável é pouco. A mesma chantagem! A mesma falsa verdade de todos os dias.
Ainda querem que deva aos meus senhores aquilo que sou? Ainda querem que me coloque mais em baixo do jugo que já não suporto? Ainda querem que carregue mais tempo as toneladas que a cada dia me põem em cima dos ombros?
Não. Para mim basta. Bastou e bastaria bem menos. Chegou a altura de por um ponto final neste parágrafo da minha vida. Basta de exploração. Quero ser marcada com o selo da liberdade tal como fui marcada pelo selo da escravatura. Marca da qual não me posso libertar - liberto-me, sim, selo-me com marcas mais perenes, mais duradouras... as da liberdade.